Será que os animais deveriam receber comissões por direitos de comercialização?

Quando uma empresa utiliza um sósia de uma pessoa famosa ou uma obra de arte, é esperado que pague por isso. Só é justo. No entanto, quando se trata da natureza, a iconografia animal é utilizada gratuitamente. Os animais representados não vêem um tostão. Mas, e se as empresas e as instituições pagassem uma taxa — à espécie ou, pelo menos, às pessoas que ajudam a espécie — de cada vez que utilizassem estas obras de arte biológica? Esta acção poderia “revolucionar a forma como se financia a conservação,” escrevem os investigadores liderados por Caroline Good, uma zóologa da Universidade de Oxford, na revista Animals. “É necessária, com urgência, uma revolução no rendimento a esta escala para enfrentar a sexta extinção em massa com que o planeta se debate actualmente.”

Designando-a por “direitos de comercialização para as espécies,” a equipa de Good concentra esta ideia especificamente em animais ameaçados: criaturas cujos símbolos são, com frequência, ubíquos na cultura humana, mesmo que as espécies estejam a desaparecer do meio natural. Por exemplo, os leões são o símbolo animal nacional de 15 países, incluindo a nação natal da autora, a Grã-Bretanha, embora as populações desta espécie tenham diminuído drasticamente em 40% nas últimas duas décadas. Se fosse imposto um pagamento à espécie por direitos de comercialização no valor de um décimo de centavo de libra esterlina (penny) por cada ovo vendido que contém o carimbo do Selo de Qualidade do Leão Britânico do British Egg Council, um montante de cerca de $14 milhões reverteria para os leões. Uma sobretaxa de licenciamento de 10 centavos de libra esterlina em cada lata de Lyle’s Golden Syrup, uma marca popular Britânica brasonada com abelhas e um leão, poderia gerar $2,6 milhões para cada uma destas espécies. Se a Primeira Liga do Campeonato Inglês de Futebol — o seu logotipo é um leão coroado — doasse 1% dos seus lucros obtidos por cada camisola vendida, estas vendas conseguiriam gerar dinheiro suficiente para contratar 4000 guardas para proteger leões da caça ilegal.

Obviamente, um pagamento por direitos de comercialização não seria apenas útil aos leões num contexto Britânico. Histórias semelhantes de popularidade cultural e precariedade ecológica podem ser contadas para ursos, elefantes, baleias e muitas outras espécies frequentemente representadas. Cerca de três quartos das mascotes animais nas 10 ligas desportivas mais ricas do mundo estão ameaçadas ou em perigo de extinção, estima Good e colaboradores; no mundo da moda, os padrões inspirados por animais selvagens são extremamente populares. “Enquanto a moda continua a vestir os seus clientes com os padrões de girafas, zebras, tigres e cobras,” os autores escrevem, “será que o próximo capítulo desta relação poderia ser um de maior solidariedade mútua?”

Estas ideias naturalmente trazem complicações éticas. Se os pagamentos às espécies por direitos de comercialização fossem impostos universalmente, o imaginário animal poder-se-ia tornar um luxo acessível apenas a pessoas ricas o suficiente para o pagar. A equipa de Good é cauta ao enfatizar que o pagamento de direitos de comercialização apenas seria esperado por parte de países e instituições abastados. A mercantilização implícita da natureza também deixará algumas pessoas nervosas: o que acontece a espécies ameaçadas não carismáticas o suficiente para serem utilizadas como símbolos proeminentes nas nossas economias culturais? A esperança, escrevem os investigadores, é que o dinheiro gerado pelas espécies “bandeira” possa ser distribuído por outras espécies. E, inevitavelmente, algumas pessoas irão tentar fugir desta responsabilidade, como o fizeram a FIFA e o governo Brasileiro ao renegar as promessas feitas de utilizar os lucros gerados pelo Mundial de Futebol de 2014 — sendo a sua mascote inesperada dos artigos de merchandising um tatu-bola-da-caatinga — para proteger o habitat desta espécie.

Apesar das dificuldades, a ideia de um pagamento a uma espécie por direitos de comercialização é uma que, pelo menos, vale a pena considerar. Existe uma necessidade desesperada de mais esforços de conservação e as pessoas preocupam-se profundamente com os animais. É por essa razão que nos rodeamos de imagens, logotipos e ícones de animais. “Se esse sentimento poderoso sentido por milhões de cidadãos em todo o mundo fosse compreendido e agarrado, poderia financiar um movimento para pagar a dívida cultural histórica que temos para com os animais,” escreve a equipa de Good. “Agora é a nossa vez de os proteger.”

Fonte: Good et al. “A Cultural Conscience for Conservation.” Animals, 2017.

Imagem: Richard Rutter / Flickr

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